sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Madallaine II

Depois de muito tempo, ela decidiu aceitar o inaceitável: não pertencia àquele lugar, nem aquele lugar pertencia a ela. Agora só havia uma coisa a ser feita: arrumar seus poucos pertences e partir sem rumo. Pegou sua mala pequena, que ficava no fundo de um guarda-roupa antigo. Sempre soube que esse momento chegaria, mas fora enganada, por si própria e pelo lugar... preferia acreditar que a mala jamais seria utilizada. Pois bem, algumas coisas deveriam ser levadas, itens de maior importância e que tornariam a nova vida ao menos suportável. Não se preocuparia com o restante dos bens; o próximo ocupante que decidisse se seriam úteis ou deveriam ser descartados. Não era problema dela, e ela não mais se importaria.
Saiu. Não conhecia canto algum. Subiria num trem qualquer, sem saber seu destino. Desceria quando estivesse cansada, ou quando a paisagem fosse bonita. Acharia um novo lugar, quem sabe um melhor que o antigo. Ficaria lá até que fosse conveniente. E depois, partiria novamente.

sábado, 14 de janeiro de 2012

Madallaine

Diferentemente de Marcela, que amara o jovem Brás Cubas durante quinze meses e onze contos de réis, ela o amou por mais tempo ainda, sem nenhum conto de réis envolvido. Talvez tivesse escolhido mal. Não sabia se de fato o amava; muito provavelmente, não. Era apenas uma obsessão, um capricho, um não sei. 
Teria a história tomado um rumo diferente se os progenitores da moça tivessem tantas posses como o pai de Brás Cubas? Jamais saberemos.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Faxina

É preciso admitir: algumas pessoas gostam, sim, de faxina. É preciso admitir: eu gosto de faxina. Mas vejam bem, não é que eu goste de experimentar o novo produto que tira até as manchas que se formarão no futuro, ou sinta imensurável alegria ao passar pano no chão. Isso eu detesto. O que me agrada é a possibilidade de tirar tudo do lugar, eliminar os traços de sua presença, e colocar apenas o que me será útil num local diferente. E por que isso me deixa tão extasiada? Porque é exatamente isso que eu (e grande parte das pessoas, penso eu) tento fazer todos os dias da minha pacata existência. Mudo os móveis na impossibilidade de mudar de vida. Limpo as gavetas desejando fazer o mesmo com o coração. Separo roupas que não servem mais querendo fazer o mesmo com pessoas que já fizeram algum sentido pra mim, mas deixaram de fazer. Esfrego os móveis e o chão como se isso ajudasse a tirar as manchas deixadas pela vida. Lavo a louça como quem lava a alma. Jogo fora o iogurte vencido almejando fazer o mesmo com tudo que está estragado em mim. A casa está limpa, mas eu não. Vamos aos produtos mais fortes dessa vez.